As BP Ultimate 24 Horas TT Vila de Fronteira são muito mais que uma maratona competitiva capaz de desafiar os limites de pilotos e máquinas. A presença de milhares de espectadores contribuem decisivamente para emoldurar a festa, num ambiente único gerado à volta da prova, que extravasa em muito a competição na pista. Quando a verdadeira paixão pelo Todo-o-Terreno e o espírito da amizade e confraternização se unem, o resultado só pode ser... máxima diversão! E nada melhor para entrar no verdadeiro espírito das “24 Horas TT de Fronteira” do que conhecer, na primeira pessoa, a experiência deste ano da denominada “Ordem dos Ordem dos Templários dos Caracolários Descalços (OTCD)”, afinal um inseparável grupo de amigos para quem a prova se tornou já um ritual sagrado e insubstituível, ano após ano.
Somos a Ordem dos Templários dos Caracolários Descalços (OTCD), nome retirado da longa-metragem portuguesa humorística de 2006, “Filme da Tetra”, protagonizada por António Feio e José Pedro Gomes. Foi esta a designação que escolhemos para identificar o grupo de lagóias (n.d.r.: cidadãos de Portalegre) composto por 21 amigos que todos os anos se reúnem para assistir às BP Ultimate 24 horas TT Vila de Fronteira.
Na verdade, nunca são só 24 horas. Efetivamente, mais pareceu um casamento cigano que durou quatro dias sem contar com os dias de preparação e de arrumações. Sem qualquer desprimor pela cultura cigana e os seus cultos (que muito admiro e respeito), em muito se assemelha aos seus hábitos. Vejamos: temos música, temos comida, assentamos tendas, levamos um gerador, um sofá e mais de cinco toneladas de lenha para queimar e para perfumar o ambiente campestre.
A génese da OTCD assenta na amizade, companheirismo e solidariedade, princípios que nos norteiam desde gaiatos (n.d.r.: miúdos), desde o tempo em que nos juntávamos para andar de mota nos caminhos acidentados da Serra de São Mamede a imaginar quem seria o próximo vencedor da Baja 500 Portalegre. Muitos anos passaram desde esses tempos, uns já casaram, alguns já se divorciaram, outros vivem no estrangeiro onde trabalham. Mas o gosto pela aventura e pelo desporto motorizado manteve-nos sempre unidos e fiéis a um calendário que todos os anos nos junta em torno de uma fogueira - para reviver aqueles tempos de maluqueira - a ver passar os melhores do mundo ao volante daquelas máquinas ruidosas que nos fizeram gritar “vai, vai, vai, vai”.
Este ano, o oitavo consecutivo (se não contarmos com a interrupção de 2020 por força da pandemia que impediu a realização da prova), não foi diferente dos anteriores. Estivemos juntos, apesar de nem todos terem tido a possibilidade de viajar, mas sentimos novamente a noite gélida com temperaturas negativas e testemunhámos mais uma vez a alvorada quente e revitalizante do Alto Alentejo. Os dias foram sempre preenchidos com os afazeres habituais de um acampamento: lavar a loiça, cortar a cebola para o refogado, migar os coentros para o arroz de polvo ou cortar o javali para fazer o ensopado (estás feito num cozinheiro, Jan Jan); e, de quando em vez, parava tudo, enchíamos os copos e “aí vai brinde” a ver os carros a passar. O mais curioso nesta história, e que tenho obrigatoriamente de referenciar, nunca, em momento algum, houve uma discussão ou um arrufo. Os princípios da OTCD estiveram sempre acima de tudo, amizade e solidariedade. Mas não somos nenhuns anjinhos. Cantámos as nossas modas e brindámos muitas vezes, foram 100 litros de cerveja, 300 cápsulas de café, muita aguardente de medronho (que ainda assim foi pouca) e vinho em boa medida para animar a malta e aquecer os menos mexidos. Tudo junto e a jogar ao prego deu para rir bastante. Foram mais as vezes que falhámos do que aquelas que acertámos.
A verdade é que o nosso acampamento todos os anos é capaz de fazer inveja a qualquer equipa do 24 Horas TT Vila de Fronteira. A logística é de loucos, só nos falta mesmo o carro de corrida. A sala de jantar é maior que a de minha casa - 32 metros quadrados – capaz de albergar, sentados à mesa, para cima de 20 pessoas. Para dormir e “passar pelas brasas” contamos com duas tendas, uma caravana e uma autocaravana. Para transportar todo o material temos também uma viatura comercial de mercadorias que este ano teve de ser um pouco maior (obrigado Juka) porque a nossa Nissan Vanette já é pequena para tanta mordomia.
Tal como em 2019, o local escolhido para desfrutar das vistas nas 24 Horas TT foi um pedaço de terra situado no Cego junto a uma parabólica longa a cerca de 100 metros de distância da Ribeira Grande. O início da prova é o momento mais aguardado por todos, é aquele momento em que conseguimos ver todos os carros de competição. Mais uma vez se provou ser um local de elevada qualidade e com passagens espetaculares. Ainda contámos umas quantas saídas de pista, dois piões e um capotamento. Nesta última situação o nosso acampamento encheu-se em menos de um minuto, foi invadido por uma multidão de gente para testemunhar o resultado do aparatoso acidente que envolveu uma viatura. Os fãs do TT são bastante responsivos e gostam muito de fazer barulho e incentivar os pilotos. Este caso não foi exceção. Foi uma euforia completa.
A alvorada de domingo é a mais dura de todas - certamente se percebe porquê – mas é também o culminar da reunião da irmandade OTCD. Torradas junto à fogueira acompanhadas com um néctar qualquer, rostos inchados, penteados a fazer lembrar a cultura punk, uns calçados outros descalços - não fossemos nós os Caracolários Descalços – mas juntos para a última refeição antes da partida. As arrumações começaram logo depois do pequeno-almoço e quando chegou a hora do final da prova já tudo estava acomodado para a viagem de regresso. A despedida habitual foi feita, como sempre, num dos bares localizado algures no meio dos 100.000 metros quadrados de acampamento a brindar à saúde de todos com a promessa de para o ano que vem estarmos juntos novamente. Em relação ao vencedor da prova, essa informação acaba por não ser muito relevante no final desta reunião.
Sérgio Miguéns, ilustre amigo da Ordem dos Templários dos Caracolários Descalços